O Processo Administrativo Fiscal no Âmbito Federal

O processo administrativo fiscal constitui etapa prévia ao ajuizamento da execução fiscal, permitindo ao contribuinte contestar, perante a Administração Pública, os lançamentos tributários com os quais não concorda. Sua existência está diretamente relacionada aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da legalidade e do devido processo legal.

Esse comando constitucional fundamenta a obrigatoriedade de instauração do processo administrativo fiscal sempre que houver autuação fiscal, dando ao contribuinte a possibilidade de impugnar a exigência tributária antes da inscrição em dívida ativa.

O Decreto nº 70.235/1972 que instituiu e regulou o Procedimento Administrativo Fiscal (PAF) aplicável, em especial, às autuações promovidas pela Receita Federal do Brasil.

O procedimento fiscal tem por finalidade apurar a ocorrência de infração à legislação tributária e, se for o caso, quantificar os créditos tributários devidos à Fazenda Pública Federal (BRASIL, 1972). Apresenta instâncias administrativas, sendo a última delas o julgamento em segunda instância pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão colegiado paritário vinculado ao Ministério da Fazenda.

Importante destacar que, conforme o artigo 5º do Decreto nº 70.235/1972, o lançamento só poderá ser inscrito em dívida ativa após esgotado o contencioso administrativo, o que garante ao contribuinte o exercício pleno do direito de defesa.

Segundo Hugo de Brito Machado (2013), o processo administrativo fiscal deve respeitar o devido processo legal, que no campo tributário exige não apenas o respeito aos aspectos formais do procedimento, mas também a observância de seus fundamentos substanciais, como a razoabilidade, a proporcionalidade e a imparcialidade.

A garantia de participação do contribuinte no processo, com possibilidade de impugnar os lançamentos, apresentar provas e recorrer das decisões, é um corolário do contraditório. Paulsen (2022) destaca que o processo administrativo fiscal deve permitir que o contribuinte conheça, influencie e questione todos os atos relevantes da Administração, em observância ao contraditório substancial.

O processo administrativo fiscal também se rege pelos princípios da oficialidade e da verdade material, os quais autorizam e obrigam a Administração a buscar a verdade dos fatos, mesmo que em benefício do contribuinte. Isso se dá pela possibilidade de reexame de provas e fatos que não tenham sido trazidos inicialmente pelo sujeito passivo.

O CARF é a instância recursal de julgamento no processo administrativo fiscal federal. A composição paritária entre representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes visa garantir a imparcialidade, ainda que haja críticas quanto à sua efetividade prática. Para Derzi (2018), a composição paritária do CARF busca garantir julgamento equânime, mas é imprescindível que seus membros se submetam a rígidos padrões de imparcialidade, sob pena de descrédito do sistema.

Durante a tramitação do processo, a exigibilidade do crédito tributário permanece suspensa, nos termos do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966), impedindo a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da execução fiscal. Ao final, exaurido o contencioso, poderá haver a constituição definitiva do crédito tributário.

O processo administrativo fiscal federal é essencial à proteção dos direitos dos contribuintes e à legalidade da atuação tributária estatal. Sua estrutura normativa, baseada na Constituição e no Decreto nº 70.235/1972, deve assegurar garantias mínimas de contraditório, ampla defesa e imparcialidade, sem as quais se compromete a legitimidade do sistema tributário nacional.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 12/05/2025

BRASIL. Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972. Dispõe sobre o processo administrativo fiscal, e dá outras providências. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d70235cons.htm Acesso em 12/05/2025

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm Acesso em 12/05/2025

DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário brasileiro. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 24. ed. Porto Alegre: Método, 2022

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em maio/2025

ITCMD e a Reforma Tributária de 2023

A EC nº 132 de 20/12/2023, conhecida como Reforma Tributária, concentra seu foco na reestruturação dos tributos sobre o consumo, mas também gera efeitos importantes, diretos e indiretos, sobre os tributos patrimoniais, entre eles o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Este imposto, de competência dos Estados e do Distrito Federal, está previsto no artigo 155, inciso I, da CRFB/1988, e incide sobre a transmissão não onerosa de bens e direitos, seja por doação, seja por sucessão hereditária ou testamentária.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (Vide Emenda Constitucional nº 132, de 2023) Vigência

III - propriedade de veículos automotores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 1º O imposto previsto no inciso I: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal

II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde era domiciliado ode cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;

V - não incidirá sobre as doações destinadas, no âmbito do Poder Executivo da União, a projetos socioambientais ou destinados a mitigar os efeitos das mudanças climáticas e às instituições federais de ensino. (Incluído pela Emenda Constituicional nº 126, de 2022)

VI - será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

VII - não incidirá sobre as transmissões e as doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos, e por elas realizadas na consecução dos seus objetivos sociais, observadas as condições estabelecidas em lei complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

A hipótese de incidência do ITCMD permanece inalterada pela EC nº 132/2023, sendo o fato gerador a ocorrência da doação ou da abertura da sucessão. A base de cálculo é definida pelas legislações estaduais como o valor venal dos bens transmitidos, e as alíquotas, também estaduais, estão sujeitas à limitação imposta por resolução do Senado Federal (Resolução nº 9/1992 que estabelece o teto de 8%). Embora não tenha sido objeto específico de modificação pela reforma, o imposto encontra-se inserido no novo contexto normativo de fortalecimento da justiça fiscal, da racionalização do sistema tributário e do combate à regressividade.

Registre-se que a base de cálculo do ITCMD poderá ser impactada pelas tendências de digitalização incentivadas pela reforma, em que a integração de cadastros, a utilização de sistemas de inteligência fiscal e a automação na avaliação de bens e direitos podem reduzir a subavaliação patrimonial, especialmente de imóveis urbanos e participações societárias. Tal cenário pode gerar aumento na arrecadação e maior justiça na tributação ao refletir de forma mais fidedigna a capacidade contributiva dos contribuintes.

Relativamente a bens móveis, títulos e créditos, a EC nº 132/2023 apresenta a mudança no inciso II do art. 155 da CRFB/1988 em relação à competência de tributar, que deixa de prever ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, e passa ao Estado onde era domiciliado o de cujus, mantendo ainda o Estado em que tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal, quando for o caso.

Outro ponto de destaque é a progressividade das alíquotas à medida que muitos dos Estados da Federação ainda adota alíquotas fixas. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da progressividade do ITCMD como instrumento de concretização da capacidade contributiva, progressividade esta já prevista no art. 2º da Resolução nº 9/1992 do Senado Federal. Nesse contexto, a reforma, ao reforçar os princípios da justiça fiscal e redistribuição de riquezas, tende a incentivar os entes federativos a revisar suas legislações e adotar modelos progressivos, por meio de faixas de tributação proporcionais ao valor da transmissão.

RESOLUÇÃO Nº 9, DE 1992

Estabelece alíquota máxima para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de que trata a alínea "a", inciso l, e § 1°, inciso IV do art. 155 da Constituição Federal.

O SENADO FEDERAL resolve:

Art. 1º. A alíquota máxima do imposto de que trata a alínea a, inciso I, do art. 155 da Constituição Federal será de oito por cento, a partir de 1° de janeiro de 1992.

Art. 2º. As alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal.

Art. 3º. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário.

Em síntese, embora o ITCMD não tenha sido objeto central de alteração direta pela Emenda Constitucional nº 132/2023, os efeitos sistêmicos da reforma tributária impactam na sua aplicação e estrutura. A uniformização legislativa por meio de lei complementar, a maior digitalização dos procedimentos administrativos, a busca pela progressividade das alíquotas e o aperfeiçoamento da fiscalização são tendências que reforçam o papel do imposto na concretização da justiça tributária. O cenário pós-reforma exigirá dos Estados um esforço de atualização legislativa e de modernização administrativa, sob pena de perpetuar desigualdades e inseguranças jurídicas na tributação patrimonial.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 abr. 2025.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o sistema tributário nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 abr. 2025.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS, IPI, ISS e ITCMD. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2022.

TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário da Reforma e Justiça Fiscal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em abril/2025

ADIn e ADC em Matéria Tributária:

breve revisão à luz da Legislação e Doutrina.

A jurisdição brasileira, no âmbito do controle de constitucionalidade, possui dois importantes instrumentos para a preservação da supremacia da Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988): a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). Ambos mecanismos, embora distintos em seus propósitos, são essenciais para a garantia da segurança jurídica e da harmonia do sistema normativo, especialmente em matéria tributária, onde a tensão entre a necessidade de arrecadação e os limites constitucionais é constante.

A CRFB/1988 estabelece, em seu art. 102, I, a, que compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) processar e julgar, originariamente, a ADI e a ADC. Essas ações são regulamentadas pela Lei nº 9.868/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento desses instrumentos. A ADI tem por objetivo declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos que contrariem a Constituição, enquanto a ADC busca a confirmação da constitucionalidade de normas questionadas, visando à estabilização da interpretação constitucional.

No campo tributário, a Constituição estabelece limites claros ao poder de tributar, consagrados nos artigos 145 a 162, que delineiam os princípios da legalidade, anterioridade, irretroatividade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, entre outros. A violação desses princípios pode ensejar a propositura de uma ADI.

Por outro lado, a ADC pode ser utilizada para afastar dúvidas sobre a constitucionalidade de normas tributárias, conferindo maior segurança jurídica aos contribuintes e ao fisco.

O Código Tributário Nacional (CTN), instituído pela Lei nº 5.172/1966, é o diploma legal que rege o sistema tributário brasileiro. Em seu art. 97, o CTN estabelece que somente a lei pode estabelecer ou majorar tributos, reforçando o princípio da legalidade tributária previsto no art. 150, I, da CRFB/1988. A violação desse princípio pode ser objeto de ADI. Além disso, o CTN consagra os princípios da tipicidade fechada (art. 108) e da anterioridade (art. 150, III, b, da CRFB/1988), que também podem ser alvo de questionamentos via ADI ou ADC.

O CPC/2015, em seu art. 19, estabelece que o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade da lei. Esse dispositivo é relevante para o controle de constitucionalidade, pois reforça o papel do Judiciário na garantia da supremacia constitucional. No âmbito das ADIs e ADCs, o CPC/2015 fornece subsídios processuais para a tramitação dessas ações, especialmente no que diz respeito à intervenção de terceiros (artigos 118 a 120) e aos efeitos das decisões (art. 525).

No caso das ADIs, o art. 28 da Lei nº 9.868/1999 estabelece que a decisão do STF terá eficácia erga omnes e efeito vinculante, ou seja, será aplicável a todos e deverá ser observada pelos demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública. Já nas ADCs, o art. 28-A da mesma lei prevê que a declaração de constitucionalidade também terá efeito vinculante, contribuindo para a uniformização da interpretação constitucional.

Machado (2021) enfatiza que a ADI é um instrumento essencial para a defesa dos contribuintes contra abusos do poder de tributar. Já Carvalho (2020), ressalta o papel da ADC na estabilização das relações jurídico-tributárias. Carrazza (2019) refere a necessidade de um controle rigoroso para evitar abusos tributários, enquanto Torres (2020) destaca a importância dos princípios constitucionais como limites à tributação. Carvalho (2021) complementa com uma abordagem estruturalista sobre a norma tributária e sua interpretação no contexto da constitucionalidade.

Em conclusão, a ADI e a ADC são instrumentos complementares de controle de constitucionalidade, essenciais para a garantia da segurança jurídica e da harmonia do sistema tributário. Enquanto a ADI atua como um mecanismo de correção, a ADC serve para confirmar a validade de normas questionadas, contribuindo para a estabilidade das relações jurídicas. A CRFB/1988, o CTN e o CPC/2015 fornecem as bases normativas e processuais para a utilização desses instrumentos, que têm sido amplamente utilizados pelo STF para assegurar a observância dos princípios constitucionais tributários.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 13/02/2025.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 13/02/2025.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 13/02/2025.

CARRAZZA, Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 2020.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2021.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2020.

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em março/2025

O Crédito Tributário e OS Procedimentos de SUA Constituição

O crédito tributário é o direito que a Fazenda Pública possui de exigir o pagamento de tributos devidos pelos contribuintes, decorrente da obrigação tributária estabelecida em lei. A sua constituição formal ocorre mediante o lançamento tributário, conforme dispõe o artigo 142 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece a competência privativa da autoridade administrativa para constituir o crédito pelo lançamento.

O artigo 113 do CTN refere que a obrigação tributária pode ser principal ou acessória. A obrigação principal decorre da ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária, extinguindo-se pelo pagamento. O crédito tributário, por sua vez, é a expressão econômica da obrigação, sendo constituído pelo lançamento, que o torna exigível.

O lançamento tributário é o ato administrativo vinculado e obrigatório que verifica a ocorrência do fato gerador, determina a matéria tributável, calcula o montante do tributo devido, identifica o sujeito passivo e aplica penalidades, se cabível. O artigo 142 do CTN define as finalidades e competências para a sua prática, ressaltando sua natureza declaratória ou constitutiva.

Os artigos 147 a 150 do CTN apresentam que o lançamento tributário pode ocorrer de três formas: lançamento de ofício, realizado diretamente pela autoridade administrativa, independente de colaboração do contribuinte; lançamento por declaração, efetuado com base nas informações prestadas pelo contribuinte, mas com a verificação da autoridade fiscal; e lançamento por homologação, que ocorre quando o contribuinte antecipa o pagamento do tributo e a autoridade fiscal tem o prazo de cinco anos para homologá-lo, conforme o art. 150, §4º, do CTN.

O lançamento pode ser alterado pela autoridade administrativa quando a legislação assim o autorizar, quando houver erro de fato ou de direito ou quando o sujeito passivo apresentar impugnação administrativa ou recurso (art. 145 do CTN).

A constituição do crédito tributário está sujeita aos prazos decadenciais e prescricionais previstos no CTN. O art. 173 estabelece que o direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, ou da decisão definitiva que houver anulado o lançamento anteriormente efetuado. A prescrição para a cobrança judicial do crédito tributário é de cinco anos, contados da constituição definitiva do crédito (art. 174 do CTN).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado entendimento sobre a presunção de liquidez e certeza do crédito tributário após sua constituição definitiva, bem como os efeitos da homologação tácita.

A constituição do crédito tributário é um procedimento essencial para garantir a arrecadação de tributos de forma eficiente e segura, devendo observar rigorosamente os prazos e as formalidades previstas na legislação tributária.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Lançamento e o crédito tributário: modalidades, prescrição e decadência.

MOREIRA, André Mendes. Constituição do crédito tributário. Tomo Direito Tributário, Edição 1, Maio de 2019.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito Tributário. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021..

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em janeiro/2025

Suspensão e Extinção do Crédito Tributário:

Aspectos Legais e Procedimentais

A suspensão e a extinção do crédito tributário são institutos fundamentais no Direito Tributário brasileiro, disciplinados pelo Código Tributário Nacional (CTN), pela Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988), pela jurisprudência dos tribunais superiores e por uma vasta doutrina. Esses institutos visam regular a relação jurídica entre o fisco e o contribuinte, garantindo segurança jurídica e previsibilidade nas relações tributárias.

A suspensão do crédito tributário é o instituto que temporariamente impede a exigibilidade do tributo, sem que haja a extinção da obrigação. Os casos de suspensão estão elencados no art. 151 do CTN e compreendem:

· Moratória: Concessão de prazo para pagamento do tributo sem a incidência de penalidades.

· Depósito do montante integral: Possibilidade de o contribuinte discutir a exigibilidade do crédito em juízo, mediante depósito do valor integral da dívida.

· Reclamação e recurso administrativo: Enquanto não forem decididos definitivamente, a exigibilidade do crédito fica suspensa.

· Concessão de medida liminar ou tutela antecipada: Decisões judiciais que suspendem a exigibilidade do tributo.

· Parcelamento: A adesão ao parcelamento suspende a exigibilidade até seu cumprimento integral.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça a importância da aplicação estrita dessas hipóteses, exigindo estrita observância dos requisitos legais para sua concessão (STJ, REsp 1.221.170/PR).

A extinção do crédito tributário, por sua vez, ocorre quando a obrigação tributária é definitivamente solucionada, cessando os efeitos do vínculo jurídico entre fisco e contribuinte. O CTN, em seu art. 156, estabelece as causas de extinção do crédito tributário, dentre as quais se destacam:

· Pagamento: Forma clássica de extinção, consistente na quitação total do tributo devido.

· Compensação: Permite a quitação de débitos mediante créditos do contribuinte com o fisco.

· Transação: Negociação entre fisco e contribuinte para extinção da dívida com concessões recíprocas.

· Remissão: Perdão fiscal concedido pela Administração Pública.

· Prescrição e decadência: A perda do direito de a Fazenda Pública constituir ou exigir o crédito tributário.

· Decisão judicial transitada em julgado: Quando declarada a inexigibilidade do crédito.

A transação tributária, regulamentada pela Lei nº 13.988/2020, tem ganhado destaque como mecanismo alternativo para a resolução de litígios, permitindo maior previsibilidade e redução da litigiosidade.

Os procedimentos administrativos e judiciais relacionados à suspensão e extinção do crédito tributário são complexos e exigem estrita observância das normas infraconstitucionais e constitucionais. O devido processo legal, previsto no art. 5º, inciso LIV da CRFB/1988, assegura ao contribuinte o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Em sede administrativa, o processo segue os ditames do Decreto nº 70.235/1972, que regula o processo administrativo fiscal federal, enquanto os entes subnacionais possuem normativas próprias. Já no âmbito judicial, a discussão ocorre por meio de ações anulatórias, mandados de segurança e execuções fiscais, reguladas pela Lei nº 6.830/1980.

A suspensão e extinção do crédito tributário são institutos essenciais para a garantia do equilíbrio na relação entre o fisco e o contribuinte, devendo ser aplicados de forma rigorosa, observando-se os dispositivos legais e o entendimento consolidado na jurisprudência. O conhecimento aprofundado desses institutos permite ao contribuinte tomar decisões assertivas e reduzir riscos fiscais.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional.

BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre transação tributária.

BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a execução fiscal.

MIRANDA, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2023.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.221.170/PR.

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em janeiro/2025

A Inexigibilidade de Imposto de Renda sobre Atos Cooperativos e Sobras Líquidas: breve revisão doutrinária e jurisprudencial

Resumo


O presente estudo aborda a inexigibilidade do Imposto de Renda (IR) incidente sobre operações típicas realizadas entre cooperativas e seus associados, sejam pessoas físicas, jurídicas ou outras cooperativas, conforme os objetivos estatutários das organizações. O artigo revisa os fundamentos constitucionais, doutrinários e jurisprudenciais, destacando decisões recentes como o AgInt no REsp n.º 1.836.270/PB, que reafirmam a natureza de devolução dos valores distribuídos como sobras líquidas. Abordam-se ainda estratégias práticas para a regularização tributária em casos de incidência indevida do imposto.

Palavras-chave: Ato cooperativo. Imposto de renda. Sobras líquidas. Atos entre cooperativas.

1. Introdução

As sociedades cooperativas, reguladas pela Lei n.º 5.764/1971, destacam-se no ordenamento jurídico brasileiro por sua estrutura e finalidade peculiares, que afastam a lógica do lucro em favor do mutualismo. Esse modelo gera reflexões sobre o tratamento tributário, especialmente em relação às sobras líquidas distribuídas aos cooperados e à contabilização como receitas decorrentes de atos cooperativos típicos. Apesar de protegidas por uma legislação específica e pela Constituição Federal, muitas cooperativas enfrentam interpretações fiscais equivocadas. Este artigo analisa a jurisprudência recente, doutrina e normas aplicáveis, propondo soluções para a correção de irregularidades.

2. O Ato Cooperativo e sua Imunidade Tributária

Para a adequada compreensão do ato cooperativo e a imunidade tributária, faz-se relevante a breve revisão de sua definição legal, constitucional, doutrinária e jurisprudencial.

2.1. Definição Legal e Constitucional

O art. 79 da Lei n.º 5.764/1971 define o ato cooperativo como aquele praticado entre cooperativa e associado, ou entre cooperativas, para a consecução de seus objetivos sociais. Por sua natureza, o ato cooperativo não configura contrato de compra e venda e, portanto, não gera acréscimo patrimonial. A Constituição Federal, em seu art. 146, III, "c", assegura tratamento tributário diferenciado às cooperativas, reforçando sua função social.

2.2. Fundamentação Doutrinária

Ives Gandra da Silva Martins destaca que o tratamento tributário das cooperativas é uma consequência lógica da sua essência mutualista e dos princípios constitucionais da isonomia e da preservação da função social. Segundo o autor, a tributação sobre atos cooperativos comprometeria a viabilidade econômica e a finalidade socioeconômica das cooperativas.

2.3. Imunidade ou Isenção

O tratamento tributário diferenciado às cooperativas é referido na doutrina e jurisprudência, ora como imunidade, ora como isenção. Sinteticamente, a distinção entre imunidade e isenção é que a primeira é uma limitação ao poder de tributar do próprio Estado, prevista na Constituição, enquanto a segunda representa uma opção política e econômica do ente tributante, visando promover determinados setores ou políticas públicas, e é definida em normas infraconstitucionais.

Neste artigo, considerando à previsão constitucional já referida, adota-se a imunidade como classificação mais adequada.

2.3. Jurisprudência sobre a Inexigibilidade de IR

No AgInt no REsp n.º 1.836.270/PB, o STJ firmou entendimento de que “não incide o imposto de renda sobre as sobras líquidas distribuídas aos cooperados ao final de cada exercício, pois tais rubricas não consubstanciam incremento patrimonial, tratando-se de simples devoluções feitas pelas cooperativas aos seus cooperados, como ato cooperativo típico”. Esse posicionamento reflete a interpretação sistemática dos arts. 79 e 87 da Lei n.º 5.764/1971, que caracterizam as sobras como devolução de valores proporcional à participação do associado nas operações da cooperativa.

Decisões similares foram proferidas nos casos REsp n.º 2118928/SP (2024) e REsp n.º 2163277/CE (2024), reafirmando a imunidade tributária das receitas oriundas de atos cooperativos.

3. Tratamento Fiscal das Sobras Líquidas

O tratamento fiscal das sobras líquidas inicia com o registro contábil e a correta classificação tributária, inclusive nos livros contábeis da cooperativa e de seus associados pessoas jurídicas, com destaque para as cooperativas associadas.

3.1. Registro Contábil e Classificação Tributária

Sobras líquidas representam os excedentes financeiros devolvidos aos cooperados, proporcionalmente à sua participação nas atividades da cooperativa. Esses valores são registrados na Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) e classificados como receitas isentas, conforme determina a Solução de Consulta COSIT n.º 198/2024.

3.2. Sobras Líquidas entre Cooperativas Associadas

As sobras líquidas distribuídas entre cooperativas associadas mantêm sua característica de ato cooperativo, desde que estejam previstas nos estatutos sociais. A Receita Federal, por meio de decisões administrativas como a Solução de Consulta COSIT n.º 330/2017, reconhece que essas receitas não configuram acréscimo patrimonial.

4. Soluções para Regularização de Tributações Indevidas

Para os casos em que houve a retenção do IR na fonte, ou que a cooperativa associada e beneficiária das sobras líquidas tenha optado pela tributação das sobras líquidas recebidas, inicialmente, nos termos aqui referidos, seguem possíveis soluções para a regularização, a ser ajustadas aos casos concretos.

· Retificação de Declarações de IRPJ

A retificação de declarações fiscais, nos termos do art. 74 da Lei n.º 9.430/1996, é uma medida eficaz para corrigir a tributação indevida das sobras líquidas. A cooperativa deve justificar a retificação com base na legislação aplicável e em precedentes como o AgInt no REsp n.º 1.836.270/PB.

· Consulta Formal à Receita Federal

A consulta formal, prevista no art. 48 da Lei n.º 9.784/1999, permite obter um parecer vinculante sobre a interpretação da legislação fiscal aplicável aos atos cooperativos, evitando futuras inconsistências.

· Medidas Judiciais

Ajuizar ação declaratória de inexigibilidade de IR sobre sobras líquidas, acompanhada de pedido de repetição de indébito, é uma alternativa efetiva e viável. Precedentes como o REsp n.º 1949536/SP (2021) oferecem subsídios para o êxito da demanda.

· Compensação Tributária

A compensação de valores indevidamente recolhidos é permitida pelo art. 74 da Lei n.º 9.430/1996. Essa medida é especialmente relevante para cooperativas que sofreram prejuízos financeiros pela tributação equivocada.

5. Conclusões

O tratamento tributário das cooperativas deve respeitar os princípios do ato cooperativo, garantindo a imunidade tributária das receitas típicas e das sobras líquidas. A jurisprudência e a legislação vigentes consolidam a não incidência de IR sobre essas operações, assegurando a sustentabilidade das cooperativas. Medidas administrativas e/ou judiciais devem ser adotadas para corrigir interpretações fiscais equivocadas e proteger os direitos dessas entidades, em que os encaminhamentos devem considerar as características e peculiaridades de cada caso concreto.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal.

BRASIL. Lei n.º 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo.

BRASIL. Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Dispõe sobre a legislação tributária federal.

BRASIL. Solução de Consulta COSIT n.º 198, de 28 de junho de 2024.

FORCENETTE, Rodrigo. Tratamento Tributário do Ato Cooperativo. São Paulo: Saraiva, 2023.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Ato Cooperativo e o Tratamento Tributário Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

STJ. AgInt no REsp n.º 1.836.270/PB (2021). Relator: Min. Og Fernandes.

STJ. Recurso Especial n.º 2118928/SP (2024).

STJ. Recurso Especial n.º 2163277/CE (2024).

STJ. Recurso Especial n.º 1949536/SP (2021).

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em dezembro/2024

O Simples Nacional como Regime Tributário Diferenciado

O Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, é um regime tributário diferenciado, simplificado e unificado, voltado para microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP). Este regime tem como objetivo promover a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, conforme previsão do art. 179 da Constituição Federal, que estabelece o dever do Estado em dispensar tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, para incentivá-las e protegê-las.

O Simples Nacional unifica o recolhimento de diversos tributos em uma única guia, abrangendo o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), as contribuições do PIS/Pasep e da Cofins, a Contribuição Patronal Previdenciária (CPP), o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), conforme o art. 13 da LC 123/2006. Contudo, tributos como o IOF, o Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e o ITR não estão abrangidos pelo regime.

A adesão ao Simples Nacional é facultativa, exigindo que a empresa esteja enquadrada como ME ou EPP, com receita bruta anual de até R$ 360.000,00 para microempresas e até R$ 4.800.000,00 para empresas de pequeno porte, conforme os arts. 3º e 18 da LC 123/2006. O regime também prevê um limite adicional para receitas de exportação, totalizando R$ 4.800.000,00, o que permite que uma empresa possa atingir até R$ 9.600.000,00 de receita bruta somando as operações no mercado interno e externo. A opção pelo regime deve ser realizada no portal do Simples Nacional, sendo irretratável para o respectivo ano-calendário.

Apesar das vantagens associadas ao Simples Nacional, como a redução da carga tributária e a simplificação das obrigações acessórias, o regime possui requisitos e vedações que restringem o seu alcance. Como vedações pode-se exemplificar as atividades relacionadas a instituições financeiras, como bancos e corretoras de valores, e a empresas com sócios domiciliados no exterior, ou que possuam outra pessoa jurídica como sócio (art. 3º, § 4º). Ademais, empresas com débitos tributários cuja exigibilidade não esteja suspensa, conforme o art. 151 do Código Tributário Nacional, também estão impedidas de optar pelo regime.

A apuração dos tributos no Simples Nacional é realizada com base na receita bruta acumulada nos últimos 12 meses, aplicada fórmula que considera a alíquota nominal, a parcela a deduzir e a receita total acumulada, conforme o art. 18 da LC 123/2006. A receita é segregada por anexos, de acordo com a atividade econômica da empresa, abrangendo comércio, indústria e serviços, sendo que algumas atividades exigem o cálculo do Fator-R para determinar o enquadramento na tabela aplicável. O Fator-R, previsto no art. 18, § 5º-I, é a relação entre a folha de pagamento e a receita bruta acumulada, sendo determinante para atividades de serviços como fisioterapia e academias.

No aspecto doutrinário, Sabbag (2024) destaca que o Simples Nacional reflete o esforço de compatibilizar o desenvolvimento econômico com a simplificação do sistema tributário, ainda que enfrente desafios relacionados à fiscalização e ao enquadramento de atividades. Torres (2024), por sua vez, discute a necessidade de simplificação das obrigações tributárias, considerando o Simples Nacional uma ferramenta importante, mas ainda limitada por regras complexas de exclusão e pelo impacto da arrecadação estadual e municipal no modelo de repartição de receitas​.

Na jurisprudência, o regime do Simples Nacional tem sido objeto de controvérsias judiciais, especialmente em casos de exclusão indevida. No julgamento do MS nº 5006439-78.2015.404.7206, o TRF4 reconheceu o direito de uma empresa à reinclusão retroativa no regime e à compensação de tributos recolhidos indevidamente sob outro regime. De forma similar, na AC nº 5018130-29.2014.404.7205 o mesmo tribunal determinou a dedução de valores já recolhidos pelo Simples Nacional, evitando o enriquecimento ilícito por parte da Fazenda Pública.

O Simples Nacional continua sendo uma ferramenta essencial para o fortalecimento de micro e pequenas empresas no Brasil, mas exige atenção constante de seus beneficiários quanto aos requisitos e vedações, bem como do legislador, que deve buscar aprimorar suas regras para torná-lo mais acessível e eficiente.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
TORRES, Heleno Taveira. Reforma Tributária: "É preciso mudar a chave e acabar com coisas pavorosas". São Paulo: USP, 2024.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2024.
TRF4, MS 5006439-78.2015.404.7206.
TRF4, AC 5018130-29.2014.404.7205.

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em dezembro/2024

Imunidade e Isenção Tributária:

Diferenças, Fundamentos e Princípios Constitucionais

A distinção entre imunidade e isenção tributária é essencial para a compreensão do sistema tributário brasileiro, sendo matérias amplamente reguladas pela Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988) e pelo Código Tributário Nacional (CTN). Esses institutos possuem natureza e efeitos distintos no ordenamento jurídico, embora ambos resultem na exclusão do dever de pagar determinado tributo.

A imunidade tributária é uma limitação constitucional ao poder de tributar, ou seja, uma vedação expressa que impede a incidência de tributos sobre determinadas pessoas, bens ou situações. A imunidade atua na esfera da competência tributária, restringindo o poder do ente federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) de criar ou cobrar tributos em certos casos. As imunidades estão previstas em diversos dispositivos da CRFB/1988. Os exemplos mais comuns de imunidade são: a imunidade recíproca (art. 150, VI, 'a'), que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda e serviços uns dos outros; a imunidade das entidades religiosas (art. 150, VI, 'b'), que impede a incidência de impostos sobre templos de qualquer culto; a imunidade das instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos (art. 150, VI, 'c'), desde que atendam aos requisitos da lei; e a imunidade dos partidos políticos e suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação ou de assistência social, sem fins lucrativos (art. 150, VI, 'd'). A imunidade se fundamenta em princípios constitucionais como o princípio da Federação, o princípio da liberdade religiosa, o princípio da liberdade de associação e o direito à educação, e o princípio da democracia e pluralidade política.

Carvalho (2021) refere que a imunidade é um limite constitucional ao poder de tributar, funcionando como uma proteção conferida a certas pessoas ou bens, de modo a impedir a tributação de determinados fatos.

A imunidade tem caráter absoluto e estrutural, atuando "a priori", ou seja, antes da ocorrência do fato gerador, evitando a própria constituição do tributo. Machado (2022) destaca que a imunidade exclui a própria competência tributária, não permitindo sequer o surgimento da obrigação tributária.

Por outro lado, a isenção tributária é uma dispensa legal do pagamento de um tributo que, em princípio, seria devido. Trata-se de uma exclusão do crédito tributário por meio de lei infraconstitucional, não eliminando a competência tributária do ente federado, mas apenas limitando seu exercício. A isenção está regulada pelo art. 176 do CTN, que define que a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos para sua concessão. As principais características da isenção incluem: concessão por lei específica, em que o ente federado possui competência para tributar, mas opta por conceder a isenção por razões econômicas, sociais ou políticas; caráter temporário, uma vez que as isenções possuem prazo determinado, em geral, podendo ser revogadas ou modificadas conforme a política fiscal do governo; e exclusão do crédito tributário, como previsto no art. 175, I, do CTN.

Sabbag (2023) refere que a isenção tributária é um benefício fiscal concedido por meio de lei específica, que alivia o contribuinte do encargo tributário sem, contudo, extinguir a obrigação tributária. As isenções refletem princípios como o princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da CRFB), ao permitir a diferenciação de tratamento entre situações diferentes, e o princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, da CRFB), ao conceder isenções para aliviar a carga tributária de setores ou contribuintes específicos em função de sua capacidade econômica. Paulsen (2024) observa que as isenções são instrumentos de política fiscal que permitem ao legislador estimular determinadas atividades econômicas ou aliviar a carga tributária de setores mais vulneráveis.

A isenção atua "a posteriori", ou seja, após a ocorrência do fato gerador, mas antes da constituição do crédito tributário, suspendendo a exigibilidade do tributo. Assim, ao contrário da imunidade, a isenção pressupõe que a norma tributária seja válida, aplicando-se, contudo, uma exclusão específica para determinado sujeito ou fato.

Em conclusão, a distinção entre imunidade e isenção é fundamental para o exercício das atividades tributárias no Brasil, uma vez que a primeira limita o poder de tributar do próprio Estado, enquanto a segunda representa uma opção política e econômica do ente tributante, visando promover determinados setores ou políticas públicas. O estudo desses institutos demonstra a complexidade do sistema tributário brasileiro, reforçando a importância de uma interpretação alinhada aos princípios constitucionais, como os da segurança jurídica, legalidade e capacidade contributiva.

Referências

BRASIL. CRFB/1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10/11/2024.

BRASIL. CTN/1966. Lei nº 5.172 de 25/10/1966. Código Tributário Nacional. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm Acesso em 10/11/2024

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

MACHADO, Hugo de Brito. Imunidades Tributárias. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2022.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2024.

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em novembro/2024

Reforma Tributária:

considerações do texto da EC 132/2023, das Diretrizes Constitucionais e de Impactos da Reforma

A Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, marca um ponto de inflexão no sistema tributário brasileiro, que vinha sendo alvo de críticas pela sua complexidade e ineficiência. A reforma introduzida traz mudanças substanciais, com a substituição de tributos sobre o consumo, como o ISS, ICMS, PIS, COFINS e IPI, pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), compondo o modelo de IVA dual brasileiro. Este resumo apresenta os principais aspectos dessa reforma, com base na análise das diretrizes constitucionais da CBS, as diferenças em relação ao IBS, e os impactos econômicos e fiscais estimados no Estudo Especial nº 19.

A principal proposta da EC 132/2023 é a simplificação do sistema tributário, substituindo cinco tributos por um IVA dual composto pela CBS, gerida pelo governo federal, e o IBS, administrado por estados e municípios. Essa mudança visa eliminar a cumulatividade, que antes fazia com que tributos fossem cobrados sobre tributos, e introduzir maior transparência para o contribuinte, com uma cobrança de impostos “por fora”, e não “por dentro”. Essa simplificação, além de combater a guerra fiscal entre estados, busca promover a equidade e a competitividade, deslocando o fato gerador da origem da produção para o destino do consumo. Também há a criação de um Imposto Seletivo (IS), com caráter extrafiscal, destinado a incidir sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como tabaco e combustíveis, e cuja arrecadação poderá ser usada para reduzir as alíquotas do IBS e da CBS.

Apesar das semelhanças entre a CBS e o IBS, como a não cumulatividade e a incidência sobre o consumo, as duas contribuições possuem algumas diferenças fundamentais. A CBS tem competência tributária federal, enquanto o IBS é de competência estadual e municipal. Além disso, a CBS introduz mecanismos que devolvem parte do tributo aos contribuintes de baixa renda, e a possibilidade de apropriação de créditos presumidos, o que a diferencia do IBS.

Além disso, o texto constitucional preserva regimes especiais, como o Simples Nacional, a Zona Franca de Manaus, e os benefícios fiscais para saúde, educação e transporte coletivo, garantindo incentivos a setores estratégicos, com alíquotas reduzidas ou isenções. O tratamento diferenciado previsto para setores específicos, como o automotivo e o agronegócio, reflete a necessidade de ajustes no equilíbrio da carga tributária.

A reforma também prevê a criação de dois fundos essenciais: o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que têm como objetivo compensar perdas de receita de estados e municípios e promover o desenvolvimento sustentável em regiões mais pobres, como o Norte e o Nordeste.

Esses fundos, além de assegurar a transição para o novo sistema tributário, visam mitigar os impactos fiscais negativos que a reforma poderia provocar a curto prazo.

A implementação completa do novo sistema deve ocorrer até 2033, quando tributos como o ICMS e o ISS serão totalmente extintos. Durante esse período, haverá uma fase de transição na qual o antigo e o novo sistema co-existirão, permitindo que as administrações públicas e as empresas se adaptem gradualmente às novas regras.

Estima-se que essa fase seja fundamental para calibrar as alíquotas e ajustar o impacto econômico da reforma.

O Estudo Especial nº 19 destaca que, embora a reforma possa gerar ganhos significativos em termos de produtividade e crescimento econômico no longo prazo, seus efeitos imediatos sobre o PIB e o emprego dependerão da forma como a transição será conduzida. O estudo projeta um aumento do PIB de até 5,75% até 2036, com efeitos mais visíveis nos setores de serviços e indústria.

Espera-se que a reforma tributária de 2023, consolidada pela Emenda Constitucional nº 132, represente uma efetiva modernização e simplificação do sistema tributário brasileiro, com uma implementação gradual, mesmo com desafios como a calibragem das alíquotas e a compensação dos estados e municípios, sendo que as perspectivas de longo prazo apontam para uma maior transparência, eficiência e equidade fiscal, auxiliando no desenvolvimento do País.

Referências

BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 20 dez. 2023.

INSTITUTO DOS AUDITORES FISCAIS DO ESTADO DA BAHIA. Reforma Tributária de 2023: Parte 13 – Diretrizes constitucionais da CBS. 2023.

INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE. Estudo Especial nº 19 – Reforma Tributária: contexto, mudanças e impactos. Senado Federal, 4 mar. 2024.

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em outubro/2024

Etapas do Processo Jurídico Tributário

O processo tributário inicia-se com a ocorrência de um fato jurídico tributário, ou seja, um acontecimento concreto que se enquadra na hipótese prevista pela norma tributária. A doutrina define o fato jurídico tributário como a materialização daquilo que a norma prevê como hipótese de incidência tributária. Alexandre (2024) refere que a hipótese de incidência tributária é uma situação abstrata descrita na lei, que, quando concretizada, dá origem à obrigação tributária. Essa hipótese pode ser um evento relacionado à capacidade econômica ou ao exercício de direitos, sobre os quais o ordenamento jurídico impõe a incidência de tributos.

Quando o fato jurídico se concretiza, surge o chamado fato gerador, que dá origem à obrigação tributária. Nesse momento, o contribuinte passa a ter o dever de pagar o tributo correspondente. O artigo 114 do Código Tributário Nacional (CTN, 1966) estabelece que o fato gerador é a situação definida em lei como necessária e suficiente à ocorrência da obrigação tributária. A doutrina complementa essa ideia ao afirmar que o fato gerador é a concretização da hipótese tributária, sendo um elemento essencial para a constituição da relação obrigacional tributária (Carvalho, 2019).

Com a ocorrência do fato gerador, nasce a obrigação tributária, que pode ser classificada em principal e acessória, conforme disposto no artigo 113 do CTN/1966. A obrigação tributária principal é a obrigação de pagar o tributo ou a penalidade pecuniária, enquanto a obrigação acessória refere-se aos deveres instrumentais ou formais, como a prestação de informações fiscais ou a emissão de documentos fiscais.

O crédito tributário, contudo, não se constitui automaticamente com a ocorrência do fato gerador. É necessário que o Fisco realize o lançamento, ato administrativo pelo qual a obrigação tributária torna-se formalmente exigível. O lançamento está regulamentado nos artigos 142 e seguintes do CTN/1966, sendo considerado um procedimento vinculante que formaliza a constituição do crédito tributário. Existem três modalidades de lançamento previstas no CTN: o lançamento de ofício, o lançamento por declaração e o lançamento por homologação, conforme os artigos 147 a 150 do CTN/1966. O lançamento de ofício ocorre por iniciativa do Fisco, enquanto o lançamento por declaração depende das informações prestadas pelo contribuinte, e o lançamento por homologação se dá quando o contribuinte apura e antecipa o pagamento do tributo, sujeito à homologação posterior pelo Fisco.

Assim, a obrigação tributária, que surge com o fato gerador, somente se torna exigível após a constituição do crédito tributário por meio do lançamento. Machado (2020) explicita que o lançamento é a última etapa do processo de constituição do crédito tributário, sem o qual a obrigação tributária permanece como um simples dever jurídico, sem força executória.

Portanto, o processo tributário segue um fluxo que se inicia com a hipótese de incidência descrita na lei, concretiza-se com o fato gerador, dá origem à obrigação tributária e se completa com o lançamento, ato indispensável para que o crédito tributário seja constituído e exigido. Este procedimento reflete a segurança jurídica necessária à relação entre o Fisco e o contribuinte, garantindo que a cobrança de tributos ocorra conforme os princípios constitucionais e legais que regem o direito tributário brasileiro.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador: JusPodivn, 2024.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em setembro/2024

IMPOSTO DE RENDA SOBRE SOBRAS LÍQUIDAS DE COOPERATIVAS DE CRÉDITO:

INEXIGIBILIDADE AOS COOPERADOS.

Ricardo Minotto, Advogado OAB/RS 110.955, sócio da

MINOTTO ADVOCACIA, Sociedade de Advogados OAB/RS 9.364

www.minottoadv.com

RESUMO: O artigo explora o tema da tributação pelo imposto de renda por ocasião da distribuição de sobras líquidas aos cooperados de cooperativas de crédito. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que não incide o imposto de renda sobre as sobras líquidas distribuídas aos cooperados ao final de cada exercício, pois tais rubricas não consubstanciam incremento patrimonial, tratando-se de simples devoluções feitas pelas cooperativas aos seus cooperados, como ato cooperativo típico, consoante compreensão firmada pela jurisprudência (STJ RE Nº 1949536 – SP). Entretanto, por prevenção ou entendimento equivocado, as cooperativas de crédito têm optado pela retenção do Imposto de Renda na Fonte. Aqui nasce o direito do cooperado em receber os valores retidos indevidamente nos últimos cinco anos a partir do ajuizamento de ação de declaração de inexigibilidade tributária, assim como da não retenção prospectiva do IR.

Palavras-Chave: Sobras Líquidas; Cooperativa de Crédito; Não incidência do Imposto de Renda; Repetição de Indébito.

INTRODUÇÃO

O presente artigo é destinado aos cooperados/associados de Cooperativas de Crédito. Nesta condição, os associados realizam operações financeiras e de crédito com a Cooperativa, que são considerados como atos cooperativos típicos. Tais operações devem observar a natureza jurídica, estatuto e objeto social da Entidade, o que inclui aplicações financeiras e concessões de crédito, entre cooperados e a cooperativa.

Em regra geral, o Estatuto Social da Cooperativa explicita a finalidade, na condição de cooperativa de crédito e com base na colaboração recíproca entre seus associados (mutualidade), de desenvolvimento social através da assistência financeira, serviços financeiros, com acesso aos instrumentos do mercado financeiro, aprimoramento técnico e educação cooperativa, aos seus associados.

Como objeto social a Cooperativa de Crédito, para a consecução de suas finalidades, necessita desenvolver atividades de captação e aplicação de recursos financeiros, assim como a concessão de crédito, como operações típicas de uma cooperativa de crédito, entre outras.

Quanto à destinação de resultados verificados em cada exercício social, o Estatuto deve definir que as sobras existentes e apuradas no final do exercício tenham seu destino deliberado pela Assembléia Geral Ordinária, observando que a distribuição das sobras entre os associados obedeça o critério de proporção às operações mantidas com a Cooperativa. Também, deve constar que em caso de perdas estas sejam rateadas entre os associados, também na proporção de suas operações com a Cooperativa. Em ambos os casos, sobras ou perdas, o critério é proporcional às operações realizadas entre associado e cooperativa, como base dos atos cooperativos típicos.

Nos atos cooperativos típicos (puros) o cooperado/associado tem a obrigação estatutária de participar dos rateios de perdas da cooperativa, quando observadas, bem como tem o direito estatutário de participar das sobras líquidas.

Quando da distribuição de sobras aos cooperados, sendo seu direito expresso na proporção das suas operações com a Cooperativa, essas não tem natureza de acréscimo patrimonial. Tem, sim, a natureza de devolução de parte dos gastos/despesas assumidos pelo associado/cooperado com a Cooperativa, e retornados aos mesmos pela redução de custos/despesas e sucesso na gestão da Entidade.

Assim, as sobras líquidas em atos cooperativas típicos, distribuídos aos associados/cooperados na proporção de suas operações com a Cooperativa, não devem sofrer tributação do Imposto de Renda. Entretanto, seja por prevenção, seja por entendimento equivocado, seja por pressão e orientação geral do próprio Fisco, as cooperativas de crédito tem optado pela retenção do Imposto de Renda na Fonte dos seus associados/cooperados, e o posterior repasse à Fazenda Federal, mesmo que, em muitos casos, informem e reconheçam expressamente nas Demonstrações Contábeis que as sobras apuradas em operações realizadas com associados (atos cooperativos típicos ou puros) são isentas da tributação.

Entretanto, não é correta e tampouco devida a retenção do Imposto de Renda sobre as sobras líquidas em atos cooperativos típicos de cooperativas de crédito, em plena observância ao objeto social estatutário.

COOPERATIVAS DE CRÉDITO E ATOS COOPERATIVOS

A retenção do Imposto de Renda tem como fonte a Cooperativa de Crédito. Como regra geral, a cooperativa é uma sociedade de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de cunho civil, sem objetivo de lucro, que se diferencia das demais sociedades em face de características que lhe são peculiares. Uma dessas características é o retorno das sobras líquidas do exercício aos seus associados, de acordo com o artigo 4º, inciso VII, da Lei nº 5.764/1971, artigo 2º da LC 130/2009, e artigo 1.094, inciso VII, do Código Civil.

Observando os dispositivos legais e estatutários, e ainda no artigo 8º da Lei Complementar nº 130/2009, as cooperativas de crédito em Assembleia Geral Ordinária devem resolver sobre a distribuição das sobras líquidas do exercício aos seus cooperados.

Entende-se que sobre os referidos valores (sobras líquidas) não deva haver a incidência tributária do imposto de renda, em razão desta operação revestir-se de ato cooperativo puro (ou típico), na expressa definição do artigo 79 da Lei nº 5.764 de 1971 e, sobretudo, em face de inexistir legislação específica atribuindo tal exigência, visto que as sobras nada mais são do que o retorno do excesso financeiro empregado pelo cooperado na cooperativa, ao longo do exercício.

Polônio (2001) esclarece que as sobras, como o próprio nome sugere, são os recursos não utilizados pela sociedade, os quais devem retornar aos associados, na proporção da utilização de cada um dos serviços da cooperativa, como atos cooperativos típicos.

Acerca das sobras nas cooperativas de crédito, Souza e Meinen (2010) referem as situações presentes em operações entre cooperativa e associados, como atos cooperativos típicos. Destacam que as sobras, nas cooperativas de crédito, podem decorrer de outros fatores, tais como: mudança da taxa de juros, fazendo com que os descasamentos de operações pré ou pós-fixadas acabem por beneficiar os resultados (exemplificando: se a cooperativa tiver operações de crédito pré-fixadas e a captação pós, e houver uma queda nos juros básicos, o custo da captação reduz e consequentemente o spread aumenta); e redução das despesas operacionais com investimentos em tecnologia, como por exemplo: substituição de equipamentos antigos, renegociação de contratos de manutenção, troca de instalações por outras com aluguéis menores, etc.

Torres (s/d) destaca no debate sobre a finalidade das cooperativas de crédito as colocações de Polônio, em especial a de proporcionar aos seus associados operações de crédito por meio da mutualidade e economia.

Observa-se, portanto, que as sobras das cooperativas de crédito decorrem de operações custeadas pelos associados, advindos de atos cooperativos.

Franke (s/d) salienta que é preciso reconhecer que fatores diversos, internos ou externos à entidade, dificultam que a cooperativa preveja quais serão todos os custos de suas atividades, o que poderia resultar no equilíbrio de receitas e despesas, eliminando possíveis sobras ou perdas.

Assim, pode-se concluir que as sobras, tecnicamente, são “saldos de valores obtidos dos associados para cobertura de despesas, e que, pela racionalização ou pela faixa de segurança dos custos operacionais com que a cooperativa trabalhou, não foram gastos, isto é, ‘sobraram’, merecendo, por isso, a denominação de ‘despesas poupadas’ ou ‘sobras’.”

Quanto à tributação de resultados, o artigo 111 da Lei nº 5.764/1971 delimita como tributáveis àqueles obtidos pelas cooperativas nas operações que tratam os artigos 85, 86 e 88, isto é, operações com não cooperados ou não associados que, portanto, não se constituem em ato cooperativo típico.

Relevante sinalar que, em geral, os estatutos das cooperativas de crédito podem prever expressamente a vedação à realização de operações de captação de recursos e a concessão de crédito e garantias com não associados (ou cooperados). Assim, as sobras líquidas em caixa, por sociedade cooperativa de crédito distribuídas aos seus cooperados, podem estar plenamente fundamentadas e comprovadas nos registros contábeis (Demonstrações Financeiras), cujos valores foram efetivamente custeados pelos cooperados. Desta forma não há como confundi-los com possíveis benefícios, vantagens ou privilégios, ou remuneração excessiva de capital, ou resultados positivos de atos não cooperativos, tais como de aplicações financeiras, pois os mesmos não são praticados por expressa vedação estatutária.

Destaque-se o entendimento do STJ nos Recursos Especiais nº 1.768.035/PB e 1.801.985/SE, confirmando a não incidência tributária do Imposto de Renda sobre as sobras líquidas distribuídas pelas cooperativas de crédito aos seus cooperados.

Desta forma, não pode ser concebido ao Fisco o poder discricionário para alterar a natureza jurídica das sobras e conferir-lhe outro tratamento, muito menos à margem da lei e com o fim de exigir imposto sem fundamentação legal específica.

Necessário lembrar que o cooperativismo, ao longo de sua história, está em constante evolução e vem crescendo e contribuindo para o desenvolvimento da sociedade, gerando benefícios e melhores condições de vida aos que com ele convivem. Está presente em diversos segmentos como na agricultura, no trabalho, na indústria, entre outros. As cooperativas de crédito, como uma sociedade de pessoas que têm como objetivo principal atender aos interesses de seus cooperados, buscam promover a captação de recursos financeiros para financiar as atividades econômicas dos associados, garantindo que as operações realizadas na cooperativa sejam revertidas em proveito do desenvolvimento da comunidade e região. (Guilardi e Pohlmann, 2022)

O setor cooperativo é de singular importância para a sociedade, na medida em que promove a aplicação de recursos privados e assume correspondentes riscos em favor da própria comunidade. Também são iniciativas de investimento promovidas pelos próprios cidadãos possibilitando o desenvolvimento local de forma sustentável, financiando iniciativas que trazem benefícios como geração de emprego e renda aos indivíduos, melhorando a qualidade de vida dos cidadãos e contribuindo no crescimento da região onde está inserida e ao aumento significativo de cooperados. (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2003)

Dos 5.570 municípios brasileiros existentes em dezembro de 2017, 551 eram atendidos apenas por cooperativas ou Posto de Atendimento Avançado (PAA), o que correspondem a uma população de 2,92 milhões. Esse dado reforça o papel do cooperativismo de crédito na inclusão financeira e atendendo em locais que seriam totalmente desassistidos se não fosse o cooperativismo. (FGCOOP, 2017).

Diferentemente de empresas com finalidades lucrativas que apresentam receitas, lucros, ou prejuízos, a cooperativa apresenta ingressos e dispêndios, alcançando sobras ou perdas durante o exercício, quando se tratar do ato cooperativo. (Santos e outros, 2008)

As formas mais comuns de incentivo aos esforços de cooperados são por meio de preços atrativos nas transações econômicas, em comparativo às alternativas encontradas no mercado, assim como pela possibilidade de devolução aos próprios cooperados de parte das sobras operacionais geradas a partir das transações (Bialoskorski, 1998).

Ressalta-se que esses resíduos operacionais são chamados de sobras e não lucros, visto que derivam das negociações entre a cooperativa e os cooperados, como impulsos contratuais à cooperação. No caso de cooperativas de crédito, são três as formas de alocar benefícios aos membros, de forma a incentivar a cooperação: maior taxa de retorno aos depósitos, menor taxa de juros pelos empréstimos e sobras (Emmons, 2000).

Schardong (2003) reitera que as sobras, tecnicamente, não são lucros, mas saldos de valores obtidos dos associados para cobertura de despesas, e que pela racionalização trabalhada pela cooperativa, não foram gastos, isto é, sobraram, merecendo por isso, a denominação de sobras.

As sobras decorrem de taxas cobradas em operações de crédito acima dos custos totais, taxas pagas na captação de recursos abaixo da remuneração final obtida, cobrança de taxas de serviços superior aos custos operacionais totais, redução das despesas operacionais, entre outros (Souza e Meinen, 2010).

Assim, ratifica-se que, em especial nas cooperativas de crédito, as sobras são geradas em operações financeiras com os próprios associados, devolvidas posteriormente e proporcionalmente às operações que as deram origem. A restituição destes valores se dá por meio de depósito à vista nas respectivas contas correntes, ou como integralização de quota-parte nas contas de capital social; ou ainda, partes maiores ou menores dessas sobras podem ser alocadas em reservas e provisões indivisíveis aos cooperados, uma característica desse tipo de organização (Barroso e Bialoskorski, 2011).

Apesar de todo o exposto, a Receita Federal do Brasil (RFB) têm posicionamentos localizados quanto à distribuição de sobras aos associados de Cooperativas de Crédito, manifestando entendimentos que tais sobras devem sofrer tributação integral na fonte pelo imposto de renda. Entendem que a sobra destinada (entregue) ao associado implica ganho de capital sujeita à incidência de imposto de renda por ocasião do seu pagamento (crédito em conta, conversão em novas quotas-partes de capital etc.) (Meinen, 2010). E, que as sobras distribuídas pela cooperativa aos cooperados estariam sujeitas à tributação do IRRF, vez que configurariam acréscimo patrimonial dos cooperados, constituindo fato gerador do Imposto de Renda, tendo em conta, ainda, inexistir dispositivo legal de isenção. Tal entendimento tem sido observado e seguido por cooperativas que, por precaução, optam pela retenção do IR na fonte por ocasião da devolução ao associado das sobras líquidas, mesmo que extensa doutrina e jurisprudência fundamente a sua não tributação, à medida que se configura como ato cooperativo típico, em especial nas cooperativas de crédito.

Frente a este entendimento, algumas cooperativas de crédito receberam autuações fiscais que retratam o entendimento que as sobras distribuídas ou capitalizadas devem ser integralmente tributadas como rendimentos decorrentes de aplicação em renda fixa. Esta posição equivocada se origina do entendimento que a isenção de imposto de renda para o ato cooperativo conferida pela lei alcança apenas as sobras enquanto apuradas e não distribuídas pela cooperativa, não as beneficiando quando incorporadas ao patrimônio dos cooperados, através de distribuição ou capitalização. Nesta hipótese, entendem que ocorre o fato gerador do imposto de renda, pois se configura o acréscimo patrimonial da pessoa física do cooperado. Tal acréscimo, que se insere à figura legal tributária “rendimentos obtidos pela entrega de recursos à pessoa jurídica, sob qualquer forma e qualquer título”, sujeita-se ao Imposto de Renda Retido Exclusivamente na Fonte sobre Aplicações Financeiras de Renda Fixa, a ser recolhido pela fonte pagadora, a cooperativa. (Guilardi e Pohlmann, 2022)

Repise-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que definiu que os atos cooperativos típicos, assim entendidos àqueles praticados entre as cooperativas e seus associados, ou entre os associados e as cooperativas, ou ainda entre cooperativas, para a consecução dos objetivos sociais, não geram receita ou lucro, consoante disposto no art. 79, parágrafo único, da Lei 5.764/71. Dessa forma, diante do exposto, entende-se que, se as aplicações financeiras das cooperativas de crédito, por serem atos cooperativos típicos, não geram receita, lucro ou faturamento, o resultado positivo decorrente desses negócios jurídicos não sofre incidência do Imposto de Renda.

Apesar de todo o exposto e do reconhecimento expresso e explícito da não incidência tributária do imposto de renda sobre as sobras distribuídas aos cooperados, há entendimentos e orientações às cooperativas oriundas do Fisco, pela retenção do IR, para o resguardo do seu direito. Nesse propósito e por cautela algumas cooperativas de crédito tem procedido a retenção do Imposto de Renda na distribuição e pagamento das sobras líquidas aos cooperados.

Aplicados esses critérios, apresenta-se o direito de recuperação dos valores já retidos na fonte, à título de Imposto de Renda, observadas as normas de repetição do indébito tributário.

REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO

Conforme artigo 165 do CTN (Lei nº 5.172 de 1966) o pagamento indevido de tributo estabelece o direito ao contribuinte, sujeito passivo, à restituição total ou parcial desse tributo, independentemente da modalidade do seu pagamento, inclusive das parcelas de encargos, como multa e juros, eventualmente cobrados sobre esses (art. 167).

Machado Segundo (2018) em sua obra Processo Tributário (2018) destaca a base constitucional da tributação e o direito à restituição quando pago ou cobrado indevidamente, que é o caso do IRRF em debate neste artigo.

Kiyoshi Harada (2018) complementa o direito do contribuinte na restituição do tributo pago (ou cobrado) indevidamente, acrescido de juros, correção monetária e multa.

O artigo 168 do CTN refere o prazo de cinco anos como decadencial para o exercício do direito a pleitear a restituição, ou repetição do indébito tributário, portanto os associados/cooperados necessitam agilizar a sua decisão para manter o direito de recuperação dos últimos 5 anos.

Quanto ao início da contagem do prazo para a repetição do indébito tributário, o STJ firmou posição em que a prescrição da ação de repetição do indébito
flui a partir do pagamento realizado após a declaração anual de ajuste do imposto de renda e não a partir da retenção na fonte (antecipação), o que está plenamente observado nesta ação.

Assim, entende-se presente a violação do direito do cooperado no momento que há o desconto do Imposto de Renda na Fonte, por ocasião da distribuição de sobras líquidas proporcionalmente às operações entre o mesmo e a cooperativa, como atos cooperativos típicos.

CONCLUSÕES

Como inicialmente referido, o tema destina-se aos cooperados/associados de Cooperativas de Crédito que, em algum momento, podem receber sobras líquidas nos exercícios sociais, sobre as quais a cooperativa retem o imposto de renda. Como atos cooperativos típicos (puros) o cooperado/associado tem a obrigação estatutária de participar dos rateios de perdas da cooperativa, bem como o direito estatutário de participar das sobras líquidas.

Nesta condição, realizam operações financeiras e de crédito com a cooperativa, que são considerados como atos cooperativos típicos. Tais operações devem observar a natureza jurídica, estatuto e objeto social da Entidade Cooperativa, o que inclui aplicações financeiras e concessões de crédito, entre cooperados e a cooperativa.

Assim, as sobras líquidas em atos cooperativas típicos, distribuídos aos associados/cooperados na proporção de suas operações com a Cooperativa, não devem sofrer tributação do Imposto de Renda. Entende-se que sobre os referidos valores (sobras líquidas) não deva haver a incidência tributária do imposto de renda, em razão desta operação revestir-se de ato cooperativo puro (ou típico), na expressa definição do artigo 79 da Lei nº 5.764 de 1971, visto que as sobras nada mais são do que o retorno do excesso financeiro empregado pelo cooperado na cooperativa, ao longo do exercício.

Há robusta jurisprudência pela não incidência do Imposto de Renda sobre as sobras líquidas de sociedade cooperativa de crédito distribuídas aos seus cooperados, pois tais valores não importam em acréscimo patrimonial, na medida em que decorrem da restituição efetuada pelas cooperativas aos seus associados, das importâncias vertidas por esses para o custeio dos atos cooperativos (e que não foram utilizadas).

Por fim, apesar do reconhecimento expresso e explícito da não incidência tributária do imposto de renda sobre as sobras distribuídas aos cooperados, há entendimentos e orientações às cooperativas oriundas do Fisco, pela retenção do IR, para o resguardo do seu direito. Aqui mantém-se o direito dos cooperados/associados à recuperação dos valores já retidos na fonte, à título de Imposto de Renda, observadas as normas de repetição do indébito tributário, assim como à declaração da inexigibilidade de sua retenção e tributação prospectiva, a ser obtida por meio do ajuizamento da competente ação.

REFERÊNCIAS

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº 3106. Brasília, 2003.

BARROSO, Marcelo F G, BIALOSKORSKI NETO, Sigismundo. Distribuição de resultados em cooperativas de crédito rural no Estado de São Paulo. Organizações Rurais & Agroindustriais, 2011, vol. 12, n. 2, p. 290-307.

BARROSO, Marcelo Francini Girão. Distribuição de resultados e desempenho de cooperativas de crédito: estudo comparativo no Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, 2009.

BIALOSKORSKI Neto, Sigismundo. Cooperativas: economia, crescimento e estrutura de capital. São Paulo: USP, 1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Brasil. Lei Complementar nº 130 de 2009. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo e revoga dispositivos das Leis nos 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e 5.764, de 16 de dezembro de 1971.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro.

BRASIL. Lei nº 5.172 de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

BRASIL. Lei nº 5.764 de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências.

CREMA, Luís Carlos. Sociedades cooperativas. Tributário. Imposto de renda sobre aplicação financeira. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética. 2013.

CURADO, Lucio Mauro Carloni Fleury. Desvendando a tributação das sociedades cooperativas. In: TORRES, Heleno Taveira, Coord. Sistema tributário, legalidade e o direito comparado: entre forma e substancia: proteção dos direitos fundamentais, responsabilidade tributaria, procedimentos fiscais, tributação das operações internacionais. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

EMMONS, William R.; SCHMID, Frank A. Pricing and dividend policies in open credit cooperatives. Working Paper 2000-008A, St. Louis: Federal Reserve Bank of St. Louis, 2000.

FGCOOP. Relatório do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo – SNCC, 2017.

FRANKE, Walmor. Direito das Sociedades Cooperativas, p.19-20. s/d

GUILARDI; POHLMANN. Tributação das sobras distribuídas pelas Cooperativas de Crédito aos Cooperados. Porto Alegre: PUCRS, 2022.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 27. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018.

MEINEN, Ênio. Tributação das atividades das cooperativas de crédito: o velho e o novo. 2022)

POLÔNIO, Wilson Alves. Manual das Sociedades Cooperativas. 3ª Ed. São Paulo: Atlas. 2001.

SANTOS, Ariovaldo dos; GOUVEIA, Fernando Henrique Câmara; VIEIRA, Patrícia dos Santos. Contabilidade das sociedades cooperativas: aspectos gerais e prestações de contas. São Paulo: Atlas, 2008.

SCHARDONG, Ademar. Cooperativa de crédito: Instrumento de organização econômica da sociedade. Porto Alegre: Riegel, 2003.

SOUZA, João Batista Loredo de; MEINEN, Ênio. Cooperativas de Crédito: gestão eficaz. Brasília: Editora Confebras, 2010.

TÔRRES, Heleno Taveira. Professor Titular de Direito Financeiro do Departamento Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Parecer jurídico emitido para a UNICRED NORTE/NORDESTE. (s/d)

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em abril/2024

Reflexões da Relação do Aposentado residente no Exterior e o IRRF:

O presente artigo apresenta reflexões e fundamentações da relação do aposentado no Brasil e residente no exterior e a retenção do IR na fonte a alíquota fixa e única de 25%.

RESUMO

O artigo apresenta o tema do aposentado residente no exterior e o desconto do IRRF à alíquota fixa de 25%. A partir da constitucionalidade e das condições da ação, assim como a legitimidade do sujeito passivo, faz-se a discussão e revisão da origem do Imposto de Renda como tributo. Este fundamento remete ao entendimento pela inaplicabilidade de alíquota diferenciada, à medida que fere os princípios constitucionais da isonomia, da progressividade do IR, da proporcionalidade do imposto, da razoabilidade da carga tributária e da garantia da não confiscatoriedade. Desta forma, frente aos fundamentos jurídicos e legais, a ação judicial tem encontrado conhecimento, acolhimento e procedência, tanto em termos prospectivos como na repetição do indébito.

Palavras-chave: Aposentado. Residente no Exterior. Imposto de renda. IRRF e alíquota fixa 25%. Repetição de indébito.

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta reflexões e fundamentações da relação do aposentado no Brasil e residente no exterior e a retenção do IR em alíquota fixa e diferenciada.

Constata-se situações de aposentados pelo regime geral da previdência social no Brasil, percebendo benefícios equivalentes a um salário mínimo nacional, ou mais, com incidência de IRRF a alíquota fixa e única de 25%.

Exatamente essa retenção do Imposto de Renda é a questão a ser discutida, pois se aplicada mensalmente a tabela do IRRF vigente no País, sobre o benefício recebido pelo aposentado, as alíquotas são progressivas, conforme quadro do RIR, Decreto nº 9.580/2018, art. 122.

Pelo que se apura, preliminarmente, o fundamento da retenção do IR, em alíquota única de 25%, origina-se em estar o aposentado como residente no Exterior. Esta tributação é realizada independentemente do valor do provento, isto é, sem considerar a capacidade econômica e de contribuição do cidadão e a progressividade de alíquotas.

Como administrativamente não se tem obtido alteração a este fato, resta ao aposentado a via judicial para o reconhecimento da aplicação prospectiva dos mesmos parâmetros e critérios de tributação incidentes aos rendimentos da aposentadoria, que seriam aplicáveis ao residente no Brasil, assim como à devolução dos valores retidos de forma indevida.

CONSTITUCIONALIDADE E CONDIÇÕES DA AÇÃO

Em observação à garantia constitucional no art. 5º inciso XXXV da CRFB/88 quanto ao direito de ação, o Autor pode buscar provimento jurisdicional para reparação do seu direito aos proventos de aposentadoria integrais.

Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (CRFB/88/88)

O CPC/2015 em seus artigos 17 e 18 complementa que são condições para que a ação seja conhecida que as partes sejam legítimas e que tenham interesse em agir.

Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.

Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. (CPC/15)

Dos Objetivos Fundamentais da República Federativa do Brasil

A CRFB/88 em seu art. 3º, incisos I e IV, expressam:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; ...

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

(CRFB, 1988)

Os fundamentos da CRFB/88 listados no art. 1º são valores estruturantes do Estado Brasileiro, e os objetivos fundamentais listados no art. 3º consistem em algo exterior a ser perseguido. Os objetivos estão consagrados em princípios que estabelecem os fins precípuos para os quais os poderes públicos direcionam e empreendem todos os esforços necessários para que sejam alcançados.

Legitimidade do Sujeito Passivo

A petição deve conter os fundamentos e informações que caracterizam o Autor em sua legitimidade à ação, como sujeito passivo e contribuinte de impostos, tanto no que se refere às comprovações do efetivo pagamento do IR pela retenção na fonte nos comprovantes mensais de sua aposentadoria, assim como à inaplicabilidade de critério distintivo e discriminatório de tributação ao aposentado residente no exterior, e à repetição do indébito tributário, ambos direitos pleiteados na demanda. O CTN/1966 define as condições para o sujeito passivo:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

(CTN, 1966)

Seguem fundamentos jurídicos específicos do tributo em questão e as possibilidades constitucionais de sua aplicabilidade.

ORIGEM DO TRIBUTO

O Imposto de Renda (IR) está previsto na CRFB/1988 em seu art. 153, inciso III, que dispõe que compete à União instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. No parágrafo 2º do mesmo artigo destaca-se os critérios da generalidade, universalidade e progressividade desse Imposto.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: ...

III - renda e proventos de qualquer natureza; ...

§ 2º O imposto previsto no inciso III:

I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;

(CRFB, 1988)

O conteúdo do parágrafo 2º do art. 153 da CRFB/1988 foi matéria de exame pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade, vedando a instituição de alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo texto da Constituição. Destaca, ainda, a base dessa tributação como a capacidade econômica e contributiva do contribuinte, vedando o caráter confiscatório na instituição e aplicação do tributo, assim como a observação a não suportabilidade da carga tributária mediante excessos de ordem fiscal.

O art. 43 do CTN (Lei nº 5.172/66) refere a competência da União na instituição do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, destacando seu fato gerador como a aquisição da disponibilidade econômica. O parágrafo 1º do mesmo artigo explicita que a incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.

Nesse sentido, não se justifica possível posição referindo a desigualdade entre as situações fiscais entre um aposentado pelo INSS que reside no Brasil e um aposentado pelo INSS que reside no exterior”, quanto à aplicação de alíquota diferenciada do IR incidente sobre a aposentadoria recebida no Brasil, pelo simples fato do Autor estar residindo no exterior. Deve-se salientar que a hipótese de incidência do IR é a obtenção da renda (ou rendimentos), de aposentado no caso, e não o seu local de domicílio ou residência.

O Regulamento do Imposto de Renda (RIR), Decreto nº 9.580 de 2018, em seu art. 1º regula o imposto sobre a renda ou proventos de qualquer natureza, salientando a sua aplicação sem distinção, e citando em seu parágrafo 2º a tributação aplicável às pessoas físicas residentes no exterior.

Quanto à retenção do IR na fonte, o art. 741 do Capítulo V do Título I do Livro III do RIR (Decreto nº 9.580/2018) especifica a incidência do IRRF sobre a renda e proventos de qualquer natureza de fontes situadas no País e recebidos pela pessoa física domiciliada no exterior.

Não há o que contrapor quanto à função da fonte pagadora na retenção do IR, de acordo com a tabela aplicável e vigente em observação ao RIR. O que se contrapõe é um tratamento diferenciado e discriminatório quanto à aplicação e exigibilidade de uma alíquota fixa e única de 25%, que colide com o princípio da proporcionalidade do imposto, além de representar o confisco de ¼ da renda bruta do cidadão.

O art. 746 do RIR/2018 arbitra essa alíquota do imposto de renda incidente sobre os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, de aposentadoria, de pensão, entre outros, sem qualquer menção ou consideração à progressividade e à proporcionalidade da capacidade econômica do contribuinte.

Esse artigo do RIR/2018 incorpora o texto da Lei nº 13.315 de 2015, quanto ao IRRF pela alíquota de 25% sobre a aposentadoria percebida no País por pessoa física residente no exterior, procurando legalizar uma incidência diferenciada, pois anterior a 2015, essa aplicação infringia o princípio da legalidade tributária insculpido no artigo 150, I, da Constituição Federal, conforme refere a jurisprudência do TRF4.

O texto referido contém julgado do TRF4 em que há a citação do Eminente Desembargador Federal Leandro Paulsen, à luz da doutrina e jurisprudência, quanto à compreensão do Imposto de Renda e Proventos de qualquer natureza e sua origem para o exercício de tributar relativo ao fato gerador e à capacidade contributiva, assim como à observância da hierarquia das leis.

A Lei nº 13.315/2015 instituiu a alíquota de 25% para o Imposto de Renda sobre os proventos de aposentadoria e pensão dos residentes no exterior. Entretanto, conforme citado no último parágrafo do acordão anteriormente referido, e abaixo transcrito, resta o entendimento por sua inaplicação à medida que fere os princípios e garantias constitucionais:

Contudo, no meu entender, mesmo após a edição da Lei n. 13.315/2015, a incidência do Imposto de Renda retido na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento) sobre os proventos de aposentadoria e pensão dos residentes no exterior mostra-se indevida, porque contraria os princípios da isonomia, da progressividade do Imposto de Renda, da garantia da não confiscatoriedade e da proporcionalidade.

RECURSO CÍVEL Nº 5000127-36.2017.4.04.7200/SC. RELATOR: ANTONIO FERNANDO SCHENKEL DO AMARAL E SILVA

Ademais, possível argumento de que “há desigualdade entre as situações fiscais, sob a ótica de consumo e circulação de riqueza no país, de residentes e não-residentes no Brasil para fins tributários”, para justificar a alíquota fixa e única de 25% do IRRF, extrapola os fundamentos tributários aplicáveis ao Imposto de Renda, isto é:

· A competência e a autorização para tributar previstas no art. 153 e seguintes da CRFB (1988), no que cita “instituir impostos sobre a renda e proventos”;

· A definição da hipótese de incidência e do fato gerador, contidos no art. 43 e seguintes do CTN (1966), relacionados à disponibilidade econômica de renda e proventos, e não de consumo e circulação de riqueza, esses possivelmente afetos a outros tributos.

Assim, evidencia-se o entendimento pela inaplicabilidade de alíquota diferenciada de IR para aposentados residentes no exterior, à medida que fere os princípios constitucionais da isonomia, da progressividade do Imposto de Renda, da proporcionalidade e da garantia da não confiscatoriedade.

PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O princípio da isonomia, como equidade e igualdade de tratamento nas suas especificidades e aplicações, já consta no próprio preâmbulo da CRFB/1988, em que estão expressos os valores supremos da sociedade brasileira, entre eles a igualdade.

O art. 5º da CRFB/1988 explicita que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros a inviolabilidade do direito à igualdade, entre outros.

No inciso III do art. 19 a CRFB/1988 apresenta a vedação ao Estado, nas suas diferentes esferas, criar distinções entre brasileiros.

A Seção II da CRFB/1988 destaca as limitações do poder de tributar, expondo em seu art. 150, inciso II, a vedação ao Estado Brasileiro em instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, invocando a essência da equidade, e a partir dela a igualdade, proibindo dessa forma qualquer distinção.

O STF, em controle concentrado de constitucionalidade, em relação ao tema, destaca a isonomia tributária e a vedação constitucional à discriminação segundo a procedência ou o destino de bens e serviços, ou aplicação de bases de cálculo diferenciadas, entendo-as arbitrárias. Esse mesmo entendimento considera-se presente quanto à aplicação de alíquota fixa e diferenciada ao aposentado residente no exterior, somente com base e em função de sua residência ou domicílio.

Especificamente em relação ao poder de tributar, a jurisprudência tem destacado a importância do princípio da isonomia ou da igualdade, no Sistema Tributário, apoiando a clarificação de seu significado.

A União Federal apresenta, como possível explicação ao fato discriminatório e confiscatório, que há diferença na tributação em tela por uma questão territorial que, por respeito a normas de direito internacional, distingue a tributação, isto é, refere que o contribuinte residente no exterior tem situação fática distinta ao residente no Brasil, justificando assim a aplicação de alíquota diferenciada de IR, inclusive para a aposentadoria.

Não cabe prosperar tal argumento, pois esse não considera o fundamento da tributação do imposto de renda, que é a capacidade econômica e contributiva do aposentado, que sendo residente no Brasil, ou em qualquer outro País, a mantém na sua mesma natureza, igualdade, isonomia, não cabendo qualquer tratamento tributário diferenciado, ou distintivo, ou discriminatório.

A jurisprudência e doutrina nos ensina quanto aos critérios justificadores de tratamento diferenciado, para que não colida com o princípio da isonomia, o que não é o caso em análise. O principal fundamento jurídico tributário está na capacidade econômica e contributiva do contribuinte, e que o mero fato de um cidadão aposentado pelo regime geral da previdência social residir no exterior, não justifica a aplicação de critério diferenciado de tributação por alíquota fixa de 25%. Destaque-se, novamente, a anotação do Desembargador Federal Leandro Paulsen nesse sentido (in Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da doutrina e jurisprudência, 12ª ed., 2010, Porto Alegre: Livraria do advogado, pp.276-277).

Como se vislumbra, a doutrina apresenta em destaque que os fundamentos da tributação permitem a discriminação somente com base em diferenciações da capacidade contributiva. Da mesma forma, e em complemento, destaca a exigência de proporcionalidade quanto à carga tributária aplicável à essa mesma capacidade contributiva, evitando o caráter confiscatório e a sobrecarga na fixação de alíquotas, como é o caso de confisco de um quarto da renda bruta do aposentado.

Considerando os argumentos expostos, o Juízo Federal complementou o seu entendimento quanto à inaplicabilidade de tratamento fiscal diferenciado e justificável, em situação de aposentado pelo regime geral da previdência social, pelo simples fato de residir fora do Brasil.

A UNIÃO FEDERAL também apresenta como fundamento para adoção da alíquota diferenciada e única de 25% para a incidência do IR sobre os rendimentos percebidos no Brasil por residentes no exterior, com tributação exclusivamente na fonte, que tais verbas não se submetem à declaração de ajuste anual, cuja apresentação esses contribuintes estão dispensados. Novamente tal argumento não deve prosperar, diante de tal inovação da razão de tributar, atribuindo a possibilidade de alíquota fixa, única e diferenciada em função da dispensa de uma obrigação acessória. Reitere-se que eventual entendimento de tributação diferenciada, pelo simples fato do local da residência, reveste-se de condição discriminatória entre contribuintes, assim como não considera o elemento basilar do aludido imposto, relativo à capacidade contributiva e à disponibilidade econômica do cidadão, que independe do fator territorial.

A doutrina destaca, ainda, que o princípio da isonomia, ou igualdade versus desigualdade, não é apenas retórica ou formalidade. É essencialmente material e integrado à atividade de produção legislativa e judiciária.

A tributação diferenciada aplicada em situações diferenciadas de capacidade econômica e contributiva encontra amparo nos princípios constitucionais, o que não se verifica e justifica na situação do aposentado pelo RGPS que, simples e somente, reside no exterior.

PRINCÍPIO DA PROGRESSIVIDADE DO IMPOSTO

Em relação ao princípio da progressividade do imposto de renda, novamente citamos o art. 153, inciso III e parágrafo 2º, da CRFB/1988, quanto ao IR como competência da União, e que esse deve ser informado pelos critérios de generalidade, da universalidade e da progressividade, em plena atenção à capacidade econômica e de contribuição do cidadão.

A jurisprudência destaca que a inobservância de um desses critérios, isto é, da generalidade, da universalidade e da progressividade, pela legislação infraconstitucional, importa na sua Inconstitucionalidade. Esse é o caso da aplicação de alíquota fixa de 25% sobre aposentadoria de residente no exterior.

O RIR/2018 (Decreto nº 9.580/2018) em seu título VIII, do Recolhimento Mensal Obrigatório, art. 122, define que o IR incide sobre os rendimentos mensais, e é calculado de acordo com a tabela progressiva vigente na respectiva competência, conforme inciso VI, que é a última alteração datada da competência 2015, mantendo-se a mesma até a presente data.

Os julgados do TRF4 destacam a nulidade do ato praticado pelo Fisco na taxação dos aposentados em alíquota única em elevado patamar de 25%, o que representa, como já citado, um quarto do rendimento bruto, independentemente do valor ou montante do benefício. Referem que essa tributação contraria frontalmente o princípio da progressividade do Imposto de Renda, que deve ser aplicado observando as faixas e alíquotas diferenciadas na tabela correspondente e informada no RIR/2018, respeitando o princípio da progressividade.

Destaca-se a referência em que não há interpretação possível à validade jurídica e amparo constitucional, e à aplicação da tributação fixa e diferenciada para o aposentado residente no exterior.

Na esteira da progressividade estão os princípios da proporcionalidade à capacidade econômica e contributiva do cidadão, assim como à garantia da não confiscatoriedade, a seguir citados, que complementam os fundamentos ao afastamento à aplicação da alíquota fixa de 25% sobre a aposentadoria de residente no exterior.

PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE DO IMPOSTO, DA RAZOABILIDADE DA CARGA TRIBUTÁRIA, E DA GARANTIA DA NÃO CONFISCATORIEDADE

O inciso IV do art. 150 da CRFB cita a limitação ao poder de tributar pelo Estado, em que é vedado utilizar tributo com efeito de confisco, como já mencionado.

Para maior elucidação da matéria da garantia da não confiscatoriedade e da ofensa ao princípio da proporcionalidade em matéria tributária, destaca-se as decisões do Supremo Tribunal nesse sentido, em que foi relator o eminente Ministro Celso de Mello:

Reitera-se a já citada elevadíssima carga tributária com alíquota fixa de 25%, que não considera a capacidade econômica e contributiva do cidadão, assim como não considera a proporcionalidade e progressividade de alíquota face à base de cálculo correspondente, assim como a razoabilidade da carga tributária.

Nesse mesmo entendimento estão os julgados do TRF4 em que declaram a inconstitucionalidade da aplicação do Imposto de Renda sobre os proventos de aposentadoria e pensão dos residentes e domiciliados no exterior à alíquota fixa de 25%, condenando a União à restituição dos valores tributados indevidamente.

Como se observa, há expressivo entendimento quanto à não aplicação de tributação diferenciada e discriminatória, na alíquota fixa de 25% de Imposto de Renda incidente sobre os proventos de aposentadoria de brasileiro residente no exterior.

Esse posicionamento está reforçado no exame do pedido de uniformização da matéria, que mesmo havendo um julgado procedente à tributação dos 25%, o TRF4 inadmitiu a incidência de uniformização regional entendendo pela manutenção do afastamento da incidência do IR com alíquota única de 25% incidente sobre aposentadoria de residente no exterior, mantendo-se a adoção dos mesmos critérios aplicáveis aos aposentados residentes no Brasil, isto é, a tabela, a base de cálculo e as respectivas alíquotas.

A UNIÃO FEDERAL tem apresentado justificativa à adoção de alíquota diferenciada, pelo fato de não dispor de instrumentos e garantias para fazer valer o seu direito.

Tal justificativa não deve prosperar e encontrar acolhimento, pois não se discute a possibilidade de retenção na fonte do Imposto de Renda, como forma de satisfação de crédito tributário. O mérito que se discute, sim, é a aplicabilidade de alíquota diferenciada, discriminatória e confiscatória do IRRF, que colide com o fundamento de tributar desse imposto, que é a capacidade contributiva do cidadão, independentemente do local de sua residência. Eventual limitação administrativa, instrumental e acessória do Ente Público, como forma de satisfação de possíveis créditos tributários, não pode representar justificativa de ônus adicional ao contribuinte.

Ressalte-se o direito do aposentado na aplicação, sobre os seus rendimentos de aposentadoria, dos mesmos critérios de tributação do Imposto de Renda aplicáveis aos aposentados residentes no Brasil, mantendo-se os princípios constitucionais da isonomia, da progressividade e da proporcionalidade do imposto, da razoabilidade da carga tributária e da garantia da sua não confiscatoriedade.

Aplicados esses critérios, apresenta-se o direito de recuperação dos valores já retidos na fonte, à título de Imposto de Renda, observadas as normas de repetição do indébito tributário.

REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO

A aplicação aos aposentados residentes no exterior, das mesmas regras tributárias aplicadas aos aposentados residentes no Brasil, é o mínimo que se espera para manter-se os princípios e garantias constitucionais, como já citado. E, aos valores retidos e tributados indevidamente, espera-se o direito à repetição de indébito tributário.

Conforme art. 165 do CTN (Lei nº 5.172 de 1966) o pagamento indevido de tributo estabelece o direito ao contribuinte, sujeito passivo, à restituição total ou parcial desse tributo, independentemente da modalidade do seu pagamento, inclusive das parcelas de encargos, como multa e juros, eventualmente cobrados sobre esses (art. 167). A jurisprudência do TRF reafirma esse direito em seus julgados recentes.

Machado Segundo em sua obra Processo Tributário (2018) destaca a base constitucional da tributação e o direito à restituição quando pago ou cobrado indevidamente.

Kiyoshi Harada (2018) complementa o direito do contribuinte na restituição do tributo pago (ou cobrado) indevidamente, acrescido de juros, correção monetária e multa.

O art. 168 do CTN refere o prazo de cinco anos como decadencial para o exercício do direito a pleitear a restituição, ou repetição do indébito tributário, o que no caso concreto está plenamente observado, pois o início da aplicação do IRRF coincide com o início do benefício da aposentadoria, em 05.12.2017.

Entendendo-se presente a violação do direito do aposentado no momento que se aplica critério distinto e discriminatório na retenção na fonte de Imposto de Renda sobre os proventos de aposentadoria, pelo simples fato da requerente residir no exterior, espera-se a repetição do indébito tributário.

Demonstrado o direito que acolhe o pleito do aposentado, espera-se seja deliberando pela determinação à fonte pagadora INSS e à RECEITA FEDERAL a suspensão da retenção do Imposto de Renda nos pagamentos mensais da aposentadoria, assim como a devolução dos valores retidos indevidamente.

POSSÍVEIS PEDIDOS

Pelo exposto, o requerente pode solicitar aos Juízo, além do recebimento e o deferimento da petição inicial, os seguintes aspectos:

· a declaração de inexigibilidade do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte, apurado na forma do art. 746 do RIR/2018, sobre os proventos de aposentadoria recebidos mensalmente e que nos lançamentos prospectivos seja observada pela UNIÃO FEDERAL-FAZENDA NACIONAL (Receita Federal e a fonte pagadora INSS) a tabela progressiva de alíquotas prevista no art. 122 do RIR/2018;

· a declaração que a tabela de alíquotas progressivas do art. 122 do RIR/2018 é aplicável à aposentadoria de brasileiro aposentado pelo RGPS residentes no exterior;

· a restituição dos valores retidos indevidamente à título de Imposto de Renda, com a incidência de juros, multa e correção monetária, conforme art. 165 e seguintes do CTN (Lei nº 5.172 de 1966), como repetição do indébito tributário;

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões apresentadas neste documento devem ser complementadas com os demais aspectos processuais necessários à Ação Judicial, assim como requer a avaliação prévia das condições das partes envolvidas para a possível procedência da Ação.

A jurisprudência apresenta situações do não acolhimento da demanda em primeira instância, assim como a procedência da ação em nível recursal, sempre dependente do exame do caso concreto e as devidas comprovações.

Elaborado por Ricardo Minotto - Advogado OABRS 110.955

Contatos: 55.51.9999.3.6497 e ricardo.minotto@gmail.com

Publicado em julho/2021